Tuesday, May 4, 2010

Diferenças culturais moldam a resposta europeia à crise grega

HERALD TRIBUNE
04/05/2010
Diferenças culturais moldam a resposta europeia à crise grega

Katrin Bennhold
Em Paris (França)

O presidente francês, Nicolas Sarkozy, e a chanceler alemã, Angela Merkel, durante encontro no Palácio Elysee, em Paris, na França
Poucas semanas após a falência do Lehman Brothers e o mergulho do mundo na crise financeira, a chanceler da Alemanha, Angela Merkel, deu este conselho aos banqueiros incautos, aos consumidores endividados e aos governos gastadores: sejam mais como uma dona de casa alemã.

Discursando para os companheiros democratas cristãos na região da Suábia, no sudoeste alemão, centro da ética de trabalho protestante e das famosas Mittelstand alemãs, Merkel disse que a crise financeira poderia ter sido evitada. “Bastaria ter perguntado a uma dona de casa suábia”, ela notou em 1º de dezembro de 2008. “Ela nos teria dito sua sabedoria comum: a longo prazo, não dá para viver acima de sua renda”.

Agora, enquanto a Europa luta para evitar sua própria experiência Lehman, salvar a Grécia e consequentemente o euro, o episódio diz muito sobre os alemães e sua líder.

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Liderados pela França, os vizinhos da Alemanha pressionam há meses para que o país, que possui a maior economia do continente, empregue seu peso financeiro em apoio ao pacote de resgate e um novo sistema de governança econômica para a zona do euro. No processo, uma Berlim relutante foi chamada de irresponsável, egoísta, até mesmo não-europeia.

Mas se a França deseja que a Alemanha seja mais europeia, a Alemanha deseja que a Europa seja mais suábia. E, de novo, para fazer com que a Europa chegasse a um acerto tardio, foi necessário um acordo entre uma alemã –Merkel– e um francês –Dominique Strauss-Kahn, do Fundo Monetário Internacional (FMI)– que se encontraram em Berlim na semana passada, para tirar a Grécia, e a zona do euro, da beira do abismo.

A saga grega fez novamente ferver o choque cultural entre os tradicionais condutores da União Europeia: a Alemanha federativa, com sua fixação por regras e uma frugalidade instintiva, enraizada em traumas econômicos passados, e uma França republicana, com uma tradição de intervenção do Estado e uma postura mais mediterrânea em relação à dívida pública.

Paris e Berlim já tiveram muitos desentendimentos pós-1945, mas poucos tão profundamente enraizados quanto aqueles em torno da governança econômica, disse John Kornblum, um ex-embaixador americano na Alemanha.

“É algo que vem das entranhas, é emocional”, disse Kornblum, que na condição de secretário assistente de Estado para a Europa, nos anos 90, assistiu sucessivos líderes franceses e alemães brigarem sobre como governar a futura moeda única.

Se não há uma estrutura política em vigor para salvaguardar o euro –um vácuo exposto na atual crise da dívida– é porque Alemanha e França nunca conseguiram se entender a respeito de uma, ele disse. “Há diferenças filosóficas profundas entre os dois lados”, ele disse.

Essas diferenças são de muitas formas personificadas por Merkel, filha de um pastor luterano, e por dois franceses ostentosos: o presidente Nicolas Sarkozy, um conservador, e Strauss-Kahn, um socialista.

Sarkozy e Strauss-Khan são rivais e podem até mesmo se enfrentar na eleição presidencial de 2012. Mas eles compartilham a crença na intervenção do Estado, o que une grande parte da elite política francesa.

Um gaullista cujo gosto por marcas caras e amigos milionários não passou desapercebido do outro lado do Reno, Sarkozy primeiro incitou suspeitas alemãs como ministro das Finanças, em 2004, quando impediu a tomada da Alstom, a fabricante francesa de trens, pela Siemens. Como presidente, ele permitiu que o déficit orçamentário subisse acima do limite de 3% da zona do euro, mesmo antes do estouro da crise econômica, e criticou repetidamente a política de taxa de juros do Banco Central Europeu (BCE).

Strauss-Kahn, um natural da Alsácia que fala alemão, foi apelidado de “Sr. Euro” na França e recebe o crédito por ter conduzido seu país para a zona do euro quando foi ministro das finanças, em 1997. Na Alemanha, ele também é lembrado por ter servido sob o então presidente Jacques Chirac, um ferrenho defensor de um contrapeso político para o BCE.

Assim, quando os dois ressuscitaram independentemente os pedidos por um “governo econômico” para os 16 países que compartilham o euro, (e o economista-chefe de Strauss-Kahn no FMI, Olivier Blanchard –outro francês– sugeriu que os bancos centrais deviam considerar uma elevação de suas metas de inflação,) a resistência na Alemanha foi instintiva.

“Cheira a outra tentativa de comprometer a independência do BCE, além de uma de institucionalizar os subsídios alemães não apenas para a Grécia, mas para todo o sul da Europa”, disse um alto diplomata alemão, que se recusou a ser identificado por causa da sensibilidade da situação.

“Quem mais vai pagar? Os franceses?” ele perguntou, notando que o déficit orçamentário francês cresceu para 7,5% do produto interno bruto, mais que o dobro do nível alemão.

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Na Alemanha, onde muitos perderam suas economias duas vezes no século 20 –uma para a hiperinflação em 1923 e de novo na reforma monetária após a Segunda Guerra Mundial– a independência do banco central e a disciplina orçamentária se tornaram parte da narrativa nacional.

O medo da inflação e uma ampla aversão a dívida também ajudam a explicar a grande divergência na percepção da riqueza da Alemanha em casa e no exterior. A 3,3% do PIB, o déficit orçamentário da Alemanha é baixo segundo os padrões da crise e frequentemente citado como justificativa para o apelo à solidariedade de Berlim para com os países mais pobres. Mas os alemães, que absorveram a Alemanha Oriental e enfrentam um declínio de sua população, não se sentem ricos.

“Os alemães temem ir à falência”, disse Kornblum, atualmente um consultor em Berlim.

Jean-Pierre Jouyet, um ex-ministro francês para os assuntos europeus e que atualmente comando o órgão regulador francês do mercado de ações, notou: “A diferença fundamental entre França e Alemanha é que, para os franceses, a estabilidade orçamentária, financeira e monetária é meio para um fim. Para os alemães, é um fim por si só”.

“Os franceses têm uma cultura de conciliação. Há regras, mas nós conciliamos”, ele acrescentou. “Para os alemães, regras são regras.”

Merkel, uma física criada na Alemanha Oriental comunista, tem um estilo de vida trabalhador, parcimonioso, e uma personalidade analítica, um tanto fria, que em muitos aspectos reflete o sistema de valores nacional, disse Gerd Langguth, autor de uma biografia da chanceler de 2005.

Enquanto Sarkozy reside no majestoso Palácio do Eliseu e conta com um exército de servidores, Merkel ainda vive no apartamento no centro de Berlim em que morava antes de sua eleição em 2005 e já foi vista fazendo suas próprias compras.

Mas há limites para os estereótipos nacionais. O antecessor mais expansivo de Merkel, Gerhard Schroder, apoiava os franceses na quebra do limite orçamentário da zona do euro. E nenhum alemão poderia ter defendido o legado do Bundesbank (o banco central alemão) mais vigorosamente do que o presidente do BCE, Jean-Claude Trichet, apelidado por alguns em Paris como “aquele francês em Frankfurt”.

Mas compreender os contextos radicalmente diferentes nos quais as posições alemã e francesa são afiadas é crucial à medida que as duas principais potências da Europa lidam com a crise, disse Jean Pisani-Ferry, diretor da Bruegel, um instituto de pesquisa com sede em Bruxelas.

A verdadeira pergunta, ele disse, é se a Alemanha, que superou outros elementos de sua tumultuada história no século 20, colocará em perspectiva seus traumas econômicos do passado e guiará uma Europa à deriva.

“No final, isto se trata da Alemanha estar ou não pronta para liderar”, disse Pisani-Ferry. “E liderar significa fazer concessões, e não apenas insistir em limites financeiros.”

Tradução: George El Khouri Andolfato
http://noticias.uol.com.br/midiaglobal/herald/2010/05/04/diferencas-culturais-moldam-a-resposta-europeia-a-crise-grega.jhtm

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